Soluções climáticas naturais e as novas tecnologias de absorção de carbono
Soluções climáticas naturais e as novas tecnologias de absorção de carbono, artigo de Waldir L. Roque
As CDR baseadas na natureza buscam utilizar os processos naturais conhecidos para a remoção e absorção de CO₂ a exemplo do solo ou das chamadas Soluções Climáticas Naturais
As mudanças climáticas estão sendo sentidas em todo o planeta. O aumento acentuado dos Gases do Efeito Estufa (GEE) está mostrando as consequências das ações antrópicas pós-revolução industrial.
Os principais GEE são o dióxido de carbono (CO₂), o metano (HC₄) e o óxido nitroso (N₂O), sendo o CO₂ o mais abundante na atmosfera, mas não o mais ofensivo para o aquecimento global.
Por mais de seis mil anos antes da primeira revolução industrial (1760) a concentração de CO₂, em relação a outros gases presentes na atmosfera, foi mantida basicamente constante em torno de 280 ppm (partes por milhão), porém com as ações do homem, esse valor quase que duplicou, ando para 422 ppm nos dias atuais (https://www.co2.earth).
Todos nós já sabemos quais as principais consequências do aquecimento global e certamente não desejamos alcançar o ponto de não retorno, pois isso poderá levar, em última análise, ao desaparecimento da própria humanidade. As Nações Unidas (UN, sigla em inglês) vem promovendo reuniões desde 1995, quando houve em Berlim, na Alemanha, a primeira Conferência das Partes, rotulada como COP1.
Em 1997, na COP2 realizada no Japão, foi criado o Protocolo de Quioto que estabeleceu as primeiras diretrizes para a redução das emissões dos GEE pelos países industrializados. Na COP21, realizada em Paris, em 2015, foi acordado por 196 nações membros o Acordo de Paris, que estabeleceu como meta a redução das emissões dos GEE com o propósito de limitar o crescimento da temperatura global em no máximo 2°C (graus centígrados), preferencialmente, 1,5°C até o final deste século.
No entanto, nos últimos anos, cientistas e líderes mundiais têm apresentado fortes argumentos e evidenciado fatos climáticos nos Painéis Intergovernamentais sobre Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês) das UN que demonstram a urgência em limitar o acréscimo da temperatura em no máximo 1,5°C, limiar este que certamente ocasionaria fortes problemas climáticos afetando o mundo todo.
Para evitar que se atinja esse valor, é preciso limitar o pico das emissões dos GEE até 2025 e ter um decaimento acentuado da ordem de 43% até 2030. Mas a pergunta é: Será que isso poderá ser alcançado?
Infelizmente, com base na curva de Keeling (keelingcurve.ucsd.edu), gráfico que mostra a evolução da concentração de CO₂ na atmosfera obtido pelo Observatório Mauna Loa, no Havaí, desde 1958, e, obviamente, com o crescimento anual médio das emissões dos GEE dos últimos anos, superior a 2,0 ppm, há pouca esperança para que a meta do limiar não seja ultraada. Os dados indicam que a temperatura do ar na superfície do globo atingiu 1,23°C em julho deste ano (climate.copernicus.eu), com projeções de poder alcançar 1,8°C até 2028.
O volume atual de CO₂ presente na atmosfera é da ordem de 3.237 Gt e o volume das emissões de GEE por ano está em torno de 37,5 Gt (statista.com). A China é o maior emissor com cerca de 11,5 Gt/ano, os Estados Unidos com 5,1 Gt/ano, enquanto que o Brasil emite 0,5 Gt/ano. Recentes estimativas indicam que pelo menos 20 Gt de CO₂ devem ser capturados e removidos da atmosfera por ano para que se mantenha o aumento da temperatura inferior a 2,0°C até 2100.
Visando limitar as emissões dos GEE, várias estratégias estão sendo indicadas pelas UN, induzindo governos, empresas, organizações sociais e a própria sociedade civil a adotarem medidas urgentes para reduzirem as emissões e mitigarem os efeitos dos GEE no planeta. Dentre tais estratégias estão aqueles processos classificados como Redução de Dióxido de Carbono (CDR, em inglês), embora tenhamos outros GEE. Os processos que envolvem práticas e tecnologias de CDR estão postos em duas categorias amplas, as baseadas na natureza e as baseadas em tecnologias.
As CDR baseadas na natureza buscam utilizar os processos naturais conhecidos para a remoção e absorção de CO₂ a exemplo do solo ou das chamadas Soluções Climáticas Naturais (nature.org) que envolvem preservação e manutenção das florestas, reflorestamento, práticas agrícolas sustentáveis, etc.
As CDR baseadas em tecnologias são também indicadas pela UN e, em geral, embora tecnologicamente conhecidas, estão ainda numa fase inicial de desenvolvimento e aplicações. Dentre estas, temos os Sistemas de Bioenergia com Captura e Armazenamento de Carbono (BECCS, em inglês), que utiliza a biomassa de vegetações para produção de energia e ao mesmo tempo captura e armazena o CO₂ emitidos neste processo. Outra tecnologia é conhecida como Captura Direta do Ar (DAC, em inglês), que procura extrair o CO₂ diretamente do ar existente na atmosfera.
A tecnologia DAC opera sugando ar atmosférico e capturando o CO₂ que, em seguida, vai ser impregnado em materiais sequestradores de carbono, que podem ser sólidos ou líquidos, podendo estes materiais serem posteriormente utilizados. Há ainda a possibilidade de armazenamento do CO₂ em reservatórios geológicos. Os processos de aspiração do ar podem ser ativos, com sistemas de sucção mecânicos, ou ivos, apenas a partir das correntes naturais de ar.
Os sistemas DCA com aspiração ativa têm um gasto maior de energia do que os sistemas DAC ivos. Uma das vantagens da DAC é ser escalável, isto é, capaz de capturar enormes quantidades de CO₂ com balanço negativo, pois emite bem menos CO₂ comparado ao que é capaz de capturá-lo. Outro aspecto é que a área estimada para uma planta DAC capturar 1,0 milhão de toneladas de CO₂ da atmosfera é da ordem de 0,2 km², enquanto para uma floresta natural esta seria da ordem de 862 km².
No momento, muitos desafios técnicos, econômicos e sociais ainda precisam ser bem equacionados para que a tecnologia possa alcançar todo o seu potencial. O problema econômico ainda inviabiliza a implantação de usinas DAC em larga escala.
Os vários métodos utilizados para capturar CO₂ da atmosfera vão, certamente, desempenhar os seus papeis. A tecnologia conhecida como Árvores Mecânicas (carboncollect.com) utiliza um modo de aspiração ivo de ar, o que leva a um menor custo de operação.
Estimativas indicam que o custo para captura de 1,0 t de carbono por árvores naturais varie entre 10 e 60 dólares, enquanto atualmente o valor equivalente para uma floresta de árvores mecânicas está entre 100 e 600 dólares. Entretanto, as árvores mecânicas são cerca de 1.000 vezes mais rápidas e bastante eficientes (acima de 90%) na captura de CO₂ do que as árvores naturais.
Tanto os métodos convencionais, que envolvem a manutenção e a recuperação de florestas, quanto as DAC, estão sujeitos a gerarem a sensação de que o problema do aquecimento global está próximo de ser resolvido e com isso negligenciá-lo. Em outras palavras, continuar com o emprego de processos e tecnologias que gerem mais e mais CO₂ porque haverá métodos eficazes para removê-los.
Hoje há uma corrida para disponibilização de créditos de carbono, os quais podem ser adquiridos para compensar as emissões de uma empresa, por exemplo. A oferta de créditos de carbono está fortemente baseada na compensação produzida por florestas em pé ou reflorestamento. Mas, sabemos que apenas as florestas naturais não serão suficientes para uma redução drástica do volume de CO₂ presente na atmosfera.
Com a implantação de novas plantas de DAC (atualmente são 19 operacionais e planos de expansão e implantação de mais de 130 novas usinas estão em andamento) isso elevará fortemente a capacidade de capturar mais CO₂ do que os métodos naturais. Então surge a preocupação. Será que isso representará uma futura ameaça aos reflorestamentos e a manutenção de florestas em pé?
É importante realçar que as florestas são fundamentais para a vida na Terra. Portanto, devem ser preservadas não apenas pelas suas capacidades de capturar CO₂, mais também, pelos inúmeros serviços ecossistêmicos prestados, os quais são responsáveis pela biodiversidade e diversos recursos utilizados pelo homem.
As Nações Unidas devem conduzir esta discussão com sabedoria para que os dirigentes das diversas nações membros, as empresas e mais fortemente a sociedade, possam encontrar um equilíbrio entre o emprego das soluções climáticas naturais e das novas tecnologias.
Waldir L. Roque
Professor universitário (aposentado) e escritor.
Email: [email protected]
CV: http://lattes.cnpq.br/4602196835460192
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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