Plano de Mineração Nacional e os impactos sociais no Brasil. Entrevista com Rodrigo Salles Pereira dos Santos
“No que diz respeito aos efeitos socioambientais, a mineração vincula, em geral, uma disputa acerca de bens comuns, como o patrimônio cultural e histórico, o solo, o ar e, principalmente, a água”, pondera o professor.
Uma das principais molas propulsoras da economia dos países em desenvolvimento, sobretudo os que compõem o Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), é a industrialização e exportação de bens de consumo. O Brasil exerce papel importante nesse processo sendo um dos principais fornecedores de commodities, principalmente para indústria automobilística da China e da Índia, e para tanto, na avaliação do professor, tem centrado a economia na perspectiva da exploração ambiental. “Ademais, no contexto específico do boom das commodities e, portanto, da ampliação dos estímulos à atividade, a mineração opera como força centrípeta, fazendo girar em torno de si os investimentos econômicos no território”, avalia Rodrigo Salles Pereira dos Santos, em entrevista concedida por email para a IHU On-Line.
O Plano de Mineração Nacional 2030 prevê um aumento de até cinco vezes no processo de mineração no território brasileiro. “Em realidade, a principal consequência da aposta do Estado brasileiro na indústria extrativa mineral é o reforço da dependência externa da economia nacional, tornando-a vulnerável às oscilações de processos de desenvolvimento econômico externos e, especificamente, do boom econômico chinês”, destaca o professor, ressaltando que o plano de mineração causa uma dependência do Brasil à economia externa.
Rodrigo Salles Pereira dos Santos é professor adjunto da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF, formado em Ciência Sociais e com mestrado e doutorado em Antropologia e Sociologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Também se pós-graduou na School of Social Sciences, Cardiff University. É um dos autores do livro Guia de Economia Solidária – ou porque não organizar cooperativas para populações carentes.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como hoje é feita a exploração mineral no Brasil?
Rodrigo Salles Pereira dos Santos – A mineração é regida, no Brasil, pelo Código Mineral instituído por meio do Decreto-lei n. 227 de 1967, e por instrumentos legislativos complementares. O Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM é o responsável pela outorga de autorização de pesquisa (exploração), com validade entre 1 e 3 anos. Já o Ministério de Minas e Energia – MME se responsabiliza diretamente pela autorização de lavra (explotação), que não possui prazo de expiração. No Brasil, pessoas físicas ou jurídicas constituídas em território nacional podem requerer outorgas de pesquisa e de lavra que são, por sua vez, transferíveis a terceiros. Nesse sentido, uma crítica importante que vem sendo feita à forma atual da exploração e da explotação minerais no Brasil diz respeito à necessidade de maior regulação estatal (e não pública) do setor no sentido da ampliação da pesquisa e lavra – em detrimento de práticas especulativas de alienação das outorgas.
IHU On-Line – Quais os impactos sociais da mineração no país e quais as regiões que mais sofrem implicações sociais e ambientais? Qual é o custo/benefício desta atividade para as regiões que estão no entorno das minas?
Rodrigo Salles Pereira dos Santos – O tema dos impactos da mineração, sejam eles ambientais, econômicos e/ou sociais, é controverso. No entanto, no que se refere aos seus efeitos econômicos, a atividade de explotação mineral se caracteriza, em grande medida, pela reduzida capacidade de estabelecer elos com dinâmicas econômicas locais e regionais, particularmente no contexto de projetos minerários predominantemente voltados para a exportação. A noção de enclave vem sendo, portanto, classicamente associada à mineração na literatura especializada. Ademais, no contexto específico do boom das commodities e, portanto, da ampliação dos estímulos à atividade, a mineração opera como força centrípeta, fazendo girar em torno de si os investimentos econômicos no território. Nesse sentido também, observa-se uma reorientação do setor terciário e, em particular, do mercado imobiliário para o atendimento das demandas de mineradoras e prestadoras de serviços, assim como a destinação dos recursos destinados à qualificação profissional, por exemplo, am a ser pautada pelas necessidades do setor.
No que diz respeito aos efeitos socioambientais, a mineração vincula, em geral, uma disputa acerca de bens comuns, como o patrimônio cultural e histórico, o solo, o ar e, principalmente, a água, que tem constituído o principal elemento da contestação promovida por organizações e movimentos sociais atualmente em Minas Gerais, particulamente na Serra da Gandarela, em torno do projeto Apolo da Vale S.A., e em Congonhas, no que concerne à expansão da mina Casa de Pedra, da Companhia Siderúrgica Nacional – CSN. De fato, considerando o desenvolvimento da ocupação do território nacional – sobretudo na Amazônia –, a expansão da explotação mineral tem ampliado, fundamentalmente, o conflito socioambiental de base territorial. Populações urbanas e rurais, tradicionais e indígenas, dentre outros grupos de afetados – considerados, quando muito, “superficiários” –, têm tido seus direitos consuetudinários desrespeitados recorrentemente, sob a proteção de um Estado cujas bases econômicas estão estruturalmente atadas ao projeto neoextrativista.
IHU On-Line – Quais são as maiores contradições do Estado brasileiro em relação à mineração e à exploração dos recursos minerais?
Rodrigo Salles Pereira dos Santos – O Estado brasileiro vem tratando a indústria extrativa mineral como base da renovação de sua inserção externa – leia-se inserção regressiva na divisão internacional do trabalho. Na prática, a expansão da participação dessa indústria no valor adicionado nacional se ampliou de 1,6% em 2000 para 4,1% em 2011, com perda concomitante da indústria da transformação. Mais importante, em 2009, essa indústria exportou US$ 30,83 bilhões, cerca de 20% do total das exportações brasileiras (US$ 152,99 bilhões) no ano, correspondendo, ainda, a mais de 3/5 da balança comercial (US$ 25,29 bilhões). Considerando a centralidade de sua participação na política comercial brasileira, a ação do Estado no sentido da regulação produtivista do setor converge explicitamente com a necessidade da manutenção de saldos positivos da balança. A contradição fundamental, no entanto, ao nível discursivo propriamente, é que a expansão da indústria extrativa mineral vem sendo defendida como núcleo de um cenário futuro de industrialização como agregação de valor e tecnologia, cenário este que parece pouco provável atualmente, considerando a situação dos principais mercados de bens de base mineral.
IHU On-Line – A extração de minério se configura como um problema social em vários países do mundo, ou já há exemplos internacionais de exploração sem riscos?
Rodrigo Salles Pereira dos Santos – O risco é um elemento fundamental de toda atividade econômica. É possível afirmar, com razoável acerto, que não há atividade econômica sem risco, seja ele econômico ou socioambiental. No entanto, formatos organizacionais e tecnológicos específicos são efetivamente capazes de reduzir os riscos associados às atividades extrativas minerais. A questão central, entretanto, gira em torno das formas de controle público dos riscos, pouco desenvolvidas no Brasil e que vêm sendo erodidas sistematicamente no contexto atual. Global players e pequenas mineradoras vêm configurando projetos de exploração e explotação que são pressionados, de um lado, por gerências e acionistas ávidos e termos de amortização de empréstimos bastante agressivos, assim como por governos, em níveis federal, estadual e municipal, cada vez mais dependentes da renda mineral para o equacionamento de suas dívidas públicas e para a implementação de programas e projetos de investimento público cruciais do ponto de vista de sua legitimidade política.
Nesse sentido, não apenas no Brasil, mas nas principais fronteiras minerais do mundo, como a África do Sul (massacre de trabalhadores mineiros em projeto da Anglo Platinum), em Papua Nova Guiné (desastre ambiental na mina Ok Tedi, uma t venture da BHP Billiton), na Ucrânia (inúmeras minas de carvão abandonadas), além de inúmeros exemplos na América Latina e na África, os riscos socioambientais em torno da mineração têm apenas crescido em face das pressões por lucratividade e financiamento público.
IHU On-Line – Discute-se a possibilidade de elaborar um novo Código para a Mineração. É necessário?
Rodrigo Salles Pereira dos Santos – Certamente, o estabelecimento de um novo marco regulatório específico para a indústria extrativa mineral é uma necessidade premente, considerando que a legislação setorial foi estabelecida sob os auspícios da ditadura civil militar, ainda em 1967. Mas o curioso e trágico ao mesmo tempo é que a discussão do novo Código da Mineração vem reforçando os dois principais aspectos do marco prévio: as diretrizes autoritária e produtivista de sua regulação. De um lado, o principal documento indicativo da direção do novo Código é o Plano Nacional de Mineração 2030. Apesar de o governo federal ter realizado cerca de 10 oficinas participativas para sua discussão, apenas funcionários de ministérios, empresas públicas e autarquias federais responderam por mais de 50% dos participantes, enquanto as empresas e seus organismos de representação se fizeram notar de forma secundária. Trabalhadores e sindicatos, movimentos sociais e ONGs, atingidos e populações indígenas e tradicionais foram virtualmente excluídos do processo, tornando o plano um indicativo importante do caráter puramente tecnocrático do Código. No momento em que três projetos de lei associados a este Código – sendo um relativo ao próprio Código – vêm sendo elaborados pelo poder Executivo e, na presença de uma lei de transparência pública sancionada (Lei n. 12.527, de 18 de novembro de 2011), todas as solicitações de o aos projetos vêm sendo rigorosamente negadas, reforçando o caráter antidemocrático da futura política mineral. Uma contribuição essencial a essa discussão foi produzida recentemente por Julianna Malerba, Bruno Milanez e Luiz Jardim Wanderley. O “Novo Marco Legal da Mineração no Brasil. Para quê? Para quem?” me parece uma leitura-chave para quem busca discutir, de forma aprofundada, a mudança no marco regulatório, considerando em especial a escassez de informação fidedigna sobre as intenções do governo federal.
IHU On-Line – Como o senhor avalia a intenção do governo federal, de triplicar a exploração mineral até 2030? Quais os benefícios e, por outro lado, as implicações dessa medida?
Rodrigo Salles Pereira dos Santos – O Plano Nacional de Mineração 2030 explicita a intenção estatal de expandir a explotação de minerais variados entre três e cinco vezes, considerando um cenário otimista de crescimento da economia mundial. Implicitamente, esse documento reconhece a dependência da economia brasileira em relação aos novos centros dinâmicos da acumulação de capital, em particular a China. Um dado interessante sobre as exportações minerais brasileiras – referido a 2009 – é que a participação dos minerais metálicos (90,04%) e, principalmente, do minério de ferro (63,58%), no valor exportado pelo setor (US$ 27,76 bilhões), demonstra claramente a centralidade de uma única commodity no segmento mineral da pauta exportadora nacional. O minério de ferro é também a commodity crucial, quanto ao volume, de grande parte da indústria da transformação. Na prática, a siderurgia, que consome 98% de todo o ferro extraído e processado primariamente no mundo, está na base de redes de produção na indústria de bens de consumo duráveis (em especial, a automobilística) e nos segmentos de infraestrutura (em particular, a construção civil). São esses os setores que crescem, efetivamente, nos Brics e, com particular força, na Índia e na China, que vivem processos concretos de industrialização.
Nesse sentido, pode ser entendida a participação da China de 49% (153 Mt. em 2010) no consumo do minério de ferro exportado pelo Brasil. Em realidade, a principal consequência da aposta do Estado brasileiro na indústria extrativa mineral é o reforço da dependência externa da economia nacional, tornando-a vulnerável às oscilações de processos de desenvolvimento econômico externos e, especificamente, do boom econômico chinês. No entanto, essa aposta se traduz também, considerando a triplicação ou quintuplicação prevista da extração mineral, em expansão exponencial do conflito socioambiental nos territórios minerais. De fato, a experiência concreta dessa dependência é a retração e reversão dos direitos territoriais relacionados aos bens naturais e coletivos.
IHU On-Line – Nas discussões acerca do novo Código, sugere-se aumentar a participação do Estado nos resultados financeiros gerados pelas atividades minerais. O que isso significa e quais as implicações?
Rodrigo Salles Pereira dos Santos – A revisão da participação do Estado brasileiro nos resultados econômicos da indústria extrativa mineral acompanha uma tendência mundial generalizada de recrudescimento da captura da renda mineral. O chamado primeiro bom das commodities, entre 2003 e 2008, e a situação crítica do déficit público nas economias desenvolvidas acentuaram dramaticamente a pressão para a busca de novas formas de receita governamental, e, desse modo, compam um cenário prospectivo de elevação da taxação mineral, o que tem provocado reações exasperadas dos principais players mineradores do mundo. No entanto, a tributação mineral efetiva no Brasil é comparativamente permissiva. Em ranking composto por 30 dos principais países e províncias minerais, o Brasil ocupa a modestíssima 26ª posição, ao onerar 35% da renda mineral formal. No entanto, os regimes de incentivos fiscais concedidos a determinados projetos e atividades de mineração com orientação exportadora implicam uma carga tributária efetiva significativamente inferior. A esse respeito, a revisão em sentido ascendente das alíquotas minerais (com a criação de bandas de taxação, sensíveis à qualidade e quantidade de diferentes minérios) tem pouca possibilidade de afetar negativamente o nível de investimento no setor. Da perspectiva do Estado brasileiro, a ampliação de sua participação na renda mineral constitui um elemento importante do equacionamento do déficit e do equilíbrio das contas públicas, de modo que a legitimidade política do modelo econômico nacional vem se apoiando, crescentemente, na contribuição da indústria extrativa mineral – e que tende a se ampliar.
IHU On-Line – Como compreender os investimentos dos governos progressistas da América Latina no setor, com a justificativa de superar a desigualdade e a pobreza?
Rodrigo Salles Pereira dos Santos – Levando seriamente em conta as objeções socioambientais e econômicas à indústria extrativa mineral, que a tornam uma atividade sujeita à contestação social, a construção de um discurso político centrado em sua justificação e legitimação como mecanismo de superação da desigualdade e pobreza soa previsível. Em realidade, a indústria extrativa mineral opera economicamente como estrutura de concentração de renda, pois que, de um lado, é capital e tecnologicamente intensiva, integrando volumes pouco expressivos de trabalhadores e elevada produtividade do trabalho; e, de outro, converte bens naturais não explorados, previamente coletivos, em recursos privados, a custos baixíssimos. Nesse sentido, da perspectiva dos territórios minerais, a indústria extrativa mineral é produtora e reprodutora de desigualdades socioeconômicas. Por sua vez, a estruturação de uma estratégia de superação da desigualdade e da pobreza na América Latina certamente a por uma via redistributiva (estatal) da renda nacional criada. Não é pouco significativo o papel dos governos progressistas na Bolívia e no Equador, por exemplo, na associação da renda mineral capturada pelo Estado a uma estratégia redistributiva. No entanto, ela não pode prescindir de uma via produtiva própria, onde os bens naturais e o trabalho possuam centralidade e que questione estratégias path dependent ou tradicionais de desenvolvimento como crescimento ad eternum. Na prática, a via neoextrativista que se consolida nesse momento é estruturalmente incapaz de superar as condições periférica e semiperiférica que ainda vigem na América Latina.
Foto: reprodução www.camaracongonhas.mg.gov.br.
(Ecodebate, 07/03/2013) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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